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segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Introdução aos Ensinamentos de Sidarta Gautama, o Buda (4) - TERCEIRA NOBRE VERDADE

TERCEIRA NOBRE VERDADE

Cessação do sofrimento da existência (nirvana)

A Terceira Nobre Verdade é a completa cessação do sofrimento, ou extinção da desarmonia entre o EU idealizado e o mundo real. É conseguida pela total erradicação de todas as formas de desejo, levando ao Nibbana (páli) ou Nirvana.

O Nirvana é realizado pela completa renúncia; não simplesmente renúncia aos objetos exteriores, mas, na realidade, pela renúncia interna às ligações com o mundo exterior; é a aniquilação da ilusão do eu pessoal de separatividade, do total dos apegos, afeições para consigo mesmo, apetites de sede de desejos que envolvem e suportam essa ilusão; são todos destruídos jun­tamente com a ignorância, o ódio, a ambição, e o mal que os acompanha. Eles morrem por falta do alimento que os susten­tava para nunca mais retornar. 

Para eliminar completamente dukkha, deve-se eliminar sua raiz principal - o desejo". Por isso, Nirvana é também conhecido como "extinção da sede de desejo", que se apresenta sob três formas, como já vimos na Segunda Nobre Verdade: desejo de prazer dos sentidos, desejo de existir e vir-a-ser (eternalismo); desejo de não-existência (aniquilamento).


Assim, para que se dê o dissipar da ilusão, é preciso destruir o "ser", que é impermanente, efêmero, perecível, nascido da ilusão. Para isto torna-se necessário eliminar o desejo.

Sensação do Arahant (páli) ou Arhat (sânscrito: aquele que conseguiu superar o sofrimento do Samsara e alcançar o Nirvana, como meta individual)

- Nagasena, aquele que não vai renascer está sujeito às sensações dolorosas?
- Algumas. Outras, não.
- Quais?
- Pode ter sofrimentos físicos. Mentais, não.
- Por quê?
- Não desapareceu a causa. A causa dos sofrimentos físicos não desapareceu, mas extinguiu-se a causa dos sofrimentos mentais. Sidarta disse: "Ele só pode ter uma espécie de sensação, a física, não a sensação mental."
- Se ele sofre, por que não realiza logo a sua extinção pela morte? 
- Maharaja, o Arhat está livre de apego e de aversão. Os sábios não querem o fruto verde, colhem-no quando está maduro. Sariputra disse: "Não desejo a morte. Não desejo a vida. Aguardo minha hora como o servidor espera o seu salário." 

Sermão a Radha sobre o que é o "ser"

Em Savathi, o venerável Radha dirigiu-se para junto de Sidarta e depois de sentar-se a seu lado perguntou: 
- Eu sempre ouço falar do ser. Digna-se o Bem-Aventurado a explicar-me o que é o ser?
- Esse desejo, essa sede, essa vontade, essa cobiça, que têm por objeto o corpo, que estão enraizados no corpo e solidamente enraizados nele, constituem o ser.

Esse desejo, essa vontade, essa cobiça, que têm por objeto as sensações, as percepções, as formações mentais, a consciência, enraizados no corpo, solidamente enraizados nele, constituem o ser.
lmaginai, Radha, meninos ou meninas que se divertem a erguer cas­telos de areia. Enquanto eles não deixam de ter desejos, vontade, cobiça, ou uma paixão ardente por estes pequenos castelos de areia, eles os querem, divertem-se com eles, têm-nos em grande apreço e são ciosos deles.

Mas, Radha, desde que estes meninos, ou estas meninas, deixem de ter desejo, vontade, cobiça, ou paixão ardente por estes pequenos castelos de areia, ali mesmo os desmantelam com os pés e com as mãos, os der­rubam e põem abaixo, sem lhes encontrar o menor atrativo.

Assim, Radha, reduzi e deixai de encontrar atrativos no corpo, aplicai­-vos a destruir todo desejo que ele vos desperta. E do mesmo modo agireis com as sensações, percepções, formações mentais e consciência.        Em verdade, Radha, a destruição do desejo é o Nirvana. 

Os ensinamentos do Mestre foram explicados de diversos modos, empregando palavras diferentes de acordo com o desenvolvimento e capacidade de assimilação das pessoas. Desta forma, nos textos, as definições e descrições se repetem de diferentes modos. Assim, encon­tramos várias definições e descrições de Nirvana:

"A cessação da continuidade e do vir-a-ser é Nirvana."
"O abandono e a destruição do desejo e da avidez pelos seus Cinco Agregados do apego é a cessação de dukkha."
"Bhikkhus, o que é o Absoluto (Incondicionado)? É a extinção de todas as formas do desejo, do ódio, da ilusão. 
Desta forma Sidarta definiu o Absoluto como Nirvana.


Frequentemente, Sidarta emprega, sem equívoco, a palavra Verdade em lugar de Nirvana: 
"Ensinarei a Verdade e o Caminho que leva à Verdade."
"A libertação fundada na Verdade é inquebrantável. O que é irreal é falso, a Realidade é a Verdade Absoluta - Nirvana."
" Foi descoberta esta verdade, profunda, difícil de se ver, difícil de se compreender, que apazigua o coração, que é sublime, que escapa ao raciocínio e não pode ser conhecida, senão pelos sábios."
"A Humanidade vive, agita-se e permanece no turbilhão do mundo. Será, por conseguinte, difícil a Humanidade compreender o encadeamento das causas e efeitos, e mais difícil ainda compreender a entrada no repouso de todas as formações, o desprendimento das coisas da terra, a cessação do desejo, o Nirvana." 

Onde, pois, está o Nirvana, esse algo que é de fato o Real, a Verdade que libera e apazigua o coração, conforme nos afirmam as citações de Sidarta? 
Se em parte alguma encontramos o Real e se, analisando as indi­vidualizações físicas e biológicas e o nosso próprio eu, não encontra­mos nada permanente, onde encontrar o Real? O que nos impede de conhecê-Io é a nossa concepção errada face à pluralidade do mundo das formas, onde a nossa mente se perde, perdendo assim a unidade do Universo; considerando-o como multiplicidade de coisas reais, nós damos realidade a coisas que, em si mesmas, não a têm, e essa con­fusão se estende à ilusão de um eu real e eterno.

Só quando compreendermos que tudo no Universo é imperma­nente, efêmero, uma cadeia de causas e efeitos sem realidade subs­tancial, e que tudo aquilo que julgamos ser o eu é apenas um agre­gado impermanente, efêmero, não-real, só então a compreensão da unidade do todo se dá e, com isso, o dissipar da ilusão. Assim, a realidade permanente existe, não, porém, na base do nosso eu, onde a procurávamos, nas formas individualizadas, pelo nosso ponto de vista ilusório. Quando esse erro se dissipa e os falsos desejos dele oriundos se extinguem, o permanente se revela, é o Nirvana.

A Verdade não se liga a nenhum Eu; é universal e conduz à equanimidade. Assim, interpretamos o Nirvana como a aniquilação da ilusão da falsa ideia de um "eu pessoal", onde toda noção de consciência de individualidade cessa. Um dos sinônimos comumente encontrados é Libertação, Liberdade absoluta, isto é, liberdade de estar livre da ignorância, do desejo, do ódio e de todos os conceitos de dualidade, relatividade, tempo e espaço.

"O dissipar da ilusão do eu é o Despertar completo, é a per­manente Vigilância ou Plena Atenção." Não conhecemos a Verdade, porque não somos vigilantes e, por isso, não nos conhecemos a nós mesmos. Nossa ação é sempre uma "reação" em função dos desejos mais ou menos inconscientes que dão conteúdo ao ser. Face aos estímulos do mundo exterior, reagimos em função das nossas limi­tações que são representadas por esses desejos. Ao mesmo tempo, alimentamos, consolidamos e obedecemos ao determinismo cármico ao qual estamos submetidos. O dissipar da ilusão é um estado de permanente vigilância, em função do qual há autoconhecimento e dissolução do “determinismo” cármico.

"Aos alhos de Sidarta, a procura do Nirvana é semelhante à ação de vigiar dia e noite". Assim, Nirvana é o estado de permanente Plena Atenção, é o fim dos renascimentos.


Para termos uma ideia do Nirvana coma Verdade absoluta, existe um notável discurso, no Majjhima-Nikaya, onde Sidarta dirigiu a palavra a Pukkusati, cuja síntese se segue.

- "Seis são os elementos que constituem o homem: solidez, fluidez, calor, movimento, espaço e consciência. O discípulo os analisa e descobre que nenhum deles é 'eu' ou 'meu'. Analisando, compreende como a consciência surge e desaparece, como as sensações agradáveis, desagradáveis ou indiferentes surgem e desaparecem. Em consequência desse conheci­mento, sua mente se desapega. Percebe, então, em si mesmo uma equa­nimidade pura, que ele pode dirigir alcançando um dos mais elevados estados espirituais. Ele sabe que esta pura equanimidade perdurará por um longo período de tempo. Mas observa: 'Se dirijo esta pura e clara equanimidade até a Esfera do Espaço Infinito e se se desenvolve uma mente correspondente, é uma criação mental. Se dirijo esta pura e clara equanimidade em direção à Esfera da Consciência Infinita, ou em direção à Esfera onde não existe Percepção, nem não-Percepção, e se se desenvolve uma mente correspondente, é uma criação mental." 

"Logo, ele não cria mentalmente, nem deseja a continuidade, o vir-a-ser, ou a aniquilação. Não se apegando a nada neste mundo, não sentindo apego, não está ansioso; como está liberto de toda ansiedade, está com­pletamente apaziguado (a chama do desejo está completamente extinta dentro de si). Ele sabe: "Terminou o renascimento, a vida pura foi vivida, fiz o que tinha de fazer."
"Após isto, quando experimenta uma sensação agradável, desagradável ou indiferente, sabe que todas são impermanentes, não se apega a elas, nem as experimenta com paixão. Qualquer que seja a sensação, ele a experimenta sem apego, ou aversão. Sabe que, com a dissolução do corpo, essas sensações se apaziguarão, como a chama de uma lâmpada quando o combustível e o pavio se consomem."

"Consequentemente, bhikkhus, uma pessoa assim dotada possui a Sabe­doria absoluta, porque o conhecimento da extinção total de dukkha é a nobre e absoluta Sabedoria."
"Aqueles que são desapegados, neste mundo, daquilo que foi visto, entendido ou pensado, de toda virtude e de todas as obras; que após terem-se desapegado de toda espécie de causa e terem penetrado a essência do desejo sadio sem paixão, a esses eu chamo homens que atravessaram a correnteza." 
Referindo-se ainda ao Nirvana, Sidarta disse: "Bhikkhus, existe o não-nascido, o não-tornado a ser (não-causado, incriado, inconstituído), o não-condicionado. Se não existisse o não-nascido, o não-causado, o não-condicionado, não haveria nenhuma possibilidade de libertação para o nascido, o causado, o condicionado." 

Na descrição sobre a origem de dukkha vimos que o ser, a coisa, ou sistema, se tem dom de produzir-se, possui em si a natureza, o germe da sua cessação, da sua destruição.

Dukkha, o ciclo da continuidade - Samsara -, tem por natureza o aparecimento; portanto, tem a natureza de cessar. Dukkha surge por causa do desejo ardente, da "sede" e cessa devido à Sabe­doria. Sede e Sabedoria encontram-se incluídas nos Cinco Agregados, como já foi visto.

"Se tua conduta, bhikkhu, foi caridosa e pura, então na plenitude da alegria, terás posto termo ao sofrimento."

O Nirvana é "alcançar o céu", do nosso ponto de vista ocidental, não sendo necessário esperar a morte para realizá-Io. 

O Nirvana não é uma condição negativa ou positiva. As noções de "negativo" e "positivo" são relativas e pertencem ao domínio da dualidade. O Nirvana está além do pensamento de dualidade e de relatividade; portanto, está fora das nossas concepções do bem e do mal, do justo e do injusto, da existência e da não-existência. Mesmo a palavra "felicidade", usada para descrever o Nirvana, tem um sen­tido completamente diferente.

Sariputra disse uma vez a Udayil:
- Amigo, Nirvana é a felicidade. 
- Mas, amigo Sariputra, que felicidade pode ser, se não há sensação?
A resposta de Sariputra é altamente filosófica:
- Não tendo sensação - isso mesmo é que é felicidade.

Estes termos, portanto, não podem ser aplicados ao Nirvana; a Verdade Absoluta está além da dualidade e da relatividade. O Nir­vana é um estado incondicionado de inefável bem-aventurança, de paz e alegria sem limites, como se atesta pelas declarações daqueles que o alcançaram. Aquele que realizou esta Verdade - Nirvana - é o mais feliz dos seres. Sua saúde mental é perfeita, não se arrepende do passado, nem se preocupa com o futuro; vive o momento presente, está livre da ignorância, dos desejos egoístas, do ódio, da vaidade, do orgulho, livre das dificuldades e dos problemas que atormentam os outros. Torna-se um ser puro, cheio de amor universal, compaixão, bondade, compreensão e tolerância. Presta ser­viço aos outros com a maior pureza, pois não pensa egocentricamente, não procura lucro, nem acumula coisa alguma; nem os bens espirituais, porque está livre da ilusão do "eu", da sede e desejo de vir-a-ser.

"Naquele que é caridoso, a virtude crescerá. Naquele que se domina a si próprio, nenhuma cólera pode aparecer. O homem justo rejeita toda maldade."

"Pela extirpação do ódio e de toda ilusão, tu atin­girás o Nirvana."

Onde esta o nirvana?

Certa vez, o brâmane Kutadanta perguntou a Sidarta: 
- Venerável Mestre, onde está o Nirvana?
- Onde quer que se obedeça à Lei (Doutrina).
Kutadanta replicou:
- Então o Nirvana não está em parte alguma e, portanto, não tem realidade.
O Bem-Aventurado disse:
- Não me entendeste. Escuta e responde. Qual é a morada do vento? Onde habita?
- Em parte alguma.
- Então não existe o vento? É uma ilusão?
Kutadanta não soube responder, e Sidarta tornou a perguntar:
- Dize-me, ó brâmane, onde reside a sabedoria? Está em algum lugar?
- A sabedoria não tem lugar determinado, disse Kutadanta.
E Sidarta disse:
- Dirás que não há sabedoria, nem justiça, nem salvação porque, como o Nirvana, elas não têm lugar determinado? Assim como a brisa veloz atravessa o mundo durante o calor do dia, também o Tathagata veio aliviar a mente humana com o delicado e suave sopro que alivia o calor de todo sofrimento.
Faze com que tua mente repouse na Verdade, difunde a Verdade e põe a Verdade em teu ser. E na verdade, viverás eternamente! O apego ao eu e à personalidade é morte contínua, ao passo que quem vive e se move na Verdade, alcança o Nirvana.

O Nirvana não pode ser descrito porque não há nada em nossa experiência mundana com o qual possa ser comparado, e nada que possa ser usado para fornecer uma analogia satisfatória. Ainda é pos­sível alcançá-Io e experimentá-Io enquanto com o corpo vivo e, desse modo, obter a inabalável certeza de sua realidade como um Dharma (Doutrina) que é independente de todos os fatores da vida condicio­nada. Este é o estado que Sidarta alcançou em vida e que possibilitou aos outros o atingirem, depois dele. Ele mostrou o Caminho com o convite: "Venha e veja por você mesmo."

Tem-se perguntado o que acontece ao Buda após sua morte. Existe uma palavra que é empregada para indicar a morte de quem atingiu o Nirvana: é Paranibuto e signi­fica "totalmente morto", "totalmente extinto", porque um Buda (indivíduo que atingiu o Nirvana) não renasce em nenhum plano depois da morte.
Respondendo a um asceta, Sidarta, o Buda disse que termos como "nas­cido" ou "não-nascido" não se aplicam a quem atingiu a Iluminação, por exemplo um Arhat, porque coisas como matéria, sensação, percepção, atividades mentais, consciência, com as quais os termos "nascido" ou "não-nascido" acham-se associados, estão completamente destruídos e desenraizados para não mais surgirem após a morte.

Quando se desenvolveu e cultivou a Sabedoria de a Quarta Nobre Verdade, que descreveremos a seguir, as coisas são vistas na realidade tais como são. Descobrindo-se a Verdade, todas as forças que produzem a continuidade do Samsara se acalmam, tornam-se incapazes de produzir novas formações cármicas, pois não há mais ilusão, nem "sede de desejo" para manter a continuidade. Seguindo o caminho com paciência e aplicação e se conscientemente nos exercitarmos e purificarmos seriamente, se alcançarmos o desenvolvimento espiritual necessário, chegará o dia em que nos será possível experimentar o Nirvana em nós mesmos sem nos embaraçarmos com palavras enigmáticas ou misteriosas. Esta Terceira Nobre Verdade será melhor compreendida pelo conhecimento da Nobre Senda Óctupla, que constitui a Quarta Nobre Verdade.

Texto de Texto de Adalberto Tripicchio (adaptado)

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